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A saga da Gamecorp chegou ao fim

A saga da Gamecorp chegou ao fim

Fábio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula, anunciou em carta aos funcionários na semana passada a venda de sua participação na Gamecorp, empresa responsável pela PlayTV. Por anos os negócios de Fábio Luís foram devassados por ataques e denuncias caluniosas, mas nunca nenhum ilícito foi comprovado. Na carta (leia a íntegra abaixo), em tom emocianado, ele lembrou das “tempestades” que enfrentou com o canal. Foi um dos negócios mais polêmicos já realizados no Brasil. Há cerca de 15 anos, uma das maiores empresas de telefonia do país, a Telemar (atualmente Oi) investiu cinco milhões de reais por uma fatia minoritária de uma empresa até então desconhecida: a Gamecorp SA, que tinha entre seus sócios Fábio Luís da Silva, um dos filhos do ex-presidente Lula, do PT.

O negócio foi feito às claras, inclusive com notas oficiais publicadas em jornais. E o dinheiro praticamente todo investido no negócio, a PlayTV, um canal de TV a cabo especializado em games, com um estúdio próprio de gravação, que chegou a empregar 300 pessoas, tinha entre seus patrocinadores e parceiros empresas como Itaú e Samsung e chegou a ocupar o primeiro lugar do Ibope em seu segmento, com programação destinada ao público jovem. Sob praticamente todos os aspectos, a não ser pelo sobrenome de um dos sócios, um negócio que poderia ter sido como outro qualquer.

Gravação do programa Mais Geek da PlayTV, lançado em dezembro de 2019. Imagem gerada pela PlayTV

Nos últimos 15 anos o nome da Gamecorp esteve nos jornais toda semana, só que raramente nas páginas de negócios. Fábio e os sócios foram acusados montar um negócio de fachada e de embolsar milhões para facilitar o trânsito da Telemar no governo Lula. A transação foi analisada pela CVM, pelo Cade, investigada pela Polícia Federal, Ministério Público Federal, objeto de discussão de duas CPI e duas operações da Lava Jato. Apesar da devassa, e do uso político das acusações a fim de atingir Lula, irregularidades nunca foram demonstradas.

Curiosamente, o negócio que se dizia de fachada, ficou com programação no ar por 17 anos seguidos, disponível para mais de 20 milhões de pessoas na TV a cabo. Fábio, que foi acusado de saltar sem escalas direto de um estágio no zoológico de São para o posto de CEO, nunca respondeu aos ataques.

Essa saga chegou ao fim. Nas últimas semanas, a Gamecorp foi vendida para o empresário Walther Abrahão Filho. Filho de um locutor esportivo, já foi candidato a vereador em São Paulo, coordenador do DEM e disputou vaga a deputado estadual pelo PR. Nunca foi próximo do PT, mas teria visto na Gamecorp um negócio sólido, oportunidade para realizar o plano antigo de ter uma TV. O valor do negócio foi mantido em sigilo. Segundo amigos de Fábio, ele e os sócios continuarão trabalhando com tecnologia.

As apresentadoras Milene e Babi que comandam os programas musicais da PlayTV. Imagem gerada pela PlayTV


Carta anuncia venda da Gamecorp

Lembro desses últimos 15 anos como se tivesse feito uma longa escalada, em um terreno muito íngrime, sempre contra o vento e as tempestades. A maioria das empresas precisa se preocupar apenas em fazer seu trabalho direito, para conquistar e agradar seus clientes. Eu acho que nosso desafio foi muito maior pois também tivemos que enfrentar a desconfiança da mídia, operações policiais para busca de documentos dentro de nossos lares, denúncias do Ministério Público, inquirições em CPIs, inquéritos na Polícia Federal, ondas de ataques em redes sociais e o julgamento fulminante da opinião pública. Não conheço um negócio que tenha sido tão vasculhado, por tanto tempo. Em vários momentos eu me senti absolutamente exausto. Mas agora, olhando para trás, posso dizer com toda tranquilidade e convicção que valeu a pena cada minuto dessa jornada. Apesar do massacre, nunca conseguiram demonstrar qualquer irregularidade. Nada. Quero dizer, bem alto, que eu tenho muito orgulho da Gamecorp e de tudo que construímos juntos, só com trabalho, criatividade e competência.

Tenho alguns arrependimentos. Poucos. Um deles é que perdemos tanto tempo enfrentando críticas por aquilo que não fizemos, que deixamos de comemorar o que fizemos. Hoje a indústria dos games é uma potência, mas quando começamos era muito diferente. Conseguimos enxergar um negócio, onde a maior parte das pessoas só via uma brincadeira de garotos. É hora de lembrar que fomos um dos inovadores dessa indústria aqui no Brasil. A PlayTV, primeiro canal voltado exclusivamente ao mundo dos games, disputou o primeiro lugar no Ibope contra grandes grupos de comunicação e chegou a reunir uma equipe de 300 pessoas, totalmente voltada para a produção de conteúdos. Conseguimos atrair investidores pela qualidade do nosso negócio. Construímos uma empresa que deu lucro, gerou empregos e da qual tirei meu sustento. Como vocês sabem, começa agora uma nova etapa. O mercado de TV a cabo sofreu mudanças muito grandes nos últimos anos. Para sobreviver a elas, entendemos que a empresa precisa de vários recursos que não somos capazes de mobilizar. A Gamecorp foi adquirida pelo empresário Walter Abrahão Filho, que já atua no ramo e tem a experiência e as condições para enfrentar esse desafio.

Fica meu enorme agradecimento a todos os nossos valentes e brilhantes colaboradores e aos meus sócios Kalil e Fernando, com quem dividi os melhores e os mais difíceis momentos dessa história. Nós três continuamos juntos, aprendemos um bocado e vamos seguir trabalhando com tecnologia. Para acabar, eu gostaria de dar um grande abraço em cada um de vocês, mas meu lado biólogo manda eu seguir à risca as recomendações, por isso #FiqueEmCasa.

Obrigado.
Fábio Lula da Silva.

Publicado na Folha de S.Paulo em https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/05/fabio-filho-de-lula-vende-participacao-na-gamecorp.shtml

Imagem promocional do programa Glitch, que estreou em 2017 na PlayTV. Imagem gerada pela PlayTV


O peso de um sobrenome

Nesse artigo publicado na Folha de S.Paulo em fevereiro de 2020, o advogado da área tributária da Gamecorp, Marco Aurélio de Carvalho contou um pouco da história da empresa e das perseguições que sofreram os sócios:

Poderia ser apenas a história de um garoto apaixonado por videogames, que precocemente é convidado a escrever sobre o assunto para jornais importantes, quando quase ninguém falava a respeito. Enquanto muitos outros não deram importância, ele percebeu o nascimento de uma poderosa indústria.

Cursou a faculdade. Decidiu empreender. Criou um programa de TV sobre o mundo dos jogos, que disputou, inclusive, o primeiro lugar no Ibope em seu segmento. Mudou-se para dentro da empresa, correu atrás de investidores para financiar os custos crescentes do negócio, fez empréstimos para comprar equipamentos.

O negócio prosperou. Chegou a ter 300 funcionários e clientes importantes como Microsoft, Sony, Hyundai, AMD, Sadia, Warner Games e Cinemark. A indústria de games é uma das que mais crescem no mundo e já é maior do que Hollywood.

Essa poderia ser apenas mais uma história de empreendedorismo, dessas que a mídia gosta de apresentar como exemplo de inspiração e perseverança. Mas o garoto em questão, hoje nos seus 40 anos, se chama Fábio Luís Lula da Silva. É filho do ex-presidente Lula.

Sua empresa, a Gamecorp, nunca foi apresentada como bom exemplo de nada. Vem sendo massacrada há mais de 15 anos, desde que a reportagem de uma revista a colocou no centro de um suposto esquema de favorecimentos. Era 2006, e Lula, o pai, disputava a reeleição presidencial como franco favorito.

Diga-se desde logo que as acusações nunca foram provadas. Após uma devassa conduzida pelo Ministério Público Federal, o processo foi arquivado por falta de provas a pedido dos próprios procuradores federais.

Poderia ser um recomeço, um atestado de idoneidade. Poderia. Desde a reportagem original da revista, entretanto, considerando apenas os três mais importantes jornais de circulação nacional, a Gamecorp apareceu em mais de 600 notas e reportagens, uma por semana em média, quase sempre apresentada como “suspeita” ou “culpada”. Não há empreendimento no mundo que resista.

E agora começa tudo novamente. No final do ano passado, o Ministério Público voltou à carga em uma nova fase da Operação Lava Jato, que resultou na apreensão de documentos e computadores em endereços de sócios de Fábio Luís. O começo de uma nova devassa.

Pela lei, o material apreendido deveria ser mantido em sigilo, para preservar a investigação e a vida dos investigados ou pelo menos para que fosse devidamente analisado.

Segundo notícias recentes, os promotores “suspeitam” que o ex-executivo Otávio Azevedo tenha omitido informações em sua delação premiada sobre supostos pagamentos da Oi, empresa controlada pela Andrade Gutierrez, para viabilizar a compra do imóvel de Atibaia.

A própria Justiça confirmou, no entanto, que o verdadeiro dono do sítio, Fernando Bittar, o adquiriu com recursos provenientes de seu pai. Tudo devida e fartamente comprovado.

O mais curioso é que a delação de Otávio Azevedo foi apresentada pelo Ministério Público como uma das maiores conquistas da Lava Jato. É de se pensar o porquê, de só agora, anos depois, os aguerridos promotores ainda terem “suspeitas”, contra, inclusive, extensa documentação probatória em sentido contrário.

As torneiras estão abertas, irrigando as Redações. Neste momento, a mídia está sendo abastecida por uma nova safra de suspeitas. Fragmentos do material apreendido vêm sendo metodicamente vazados para os principais veículos de imprensa há quase três semanas, dia sim, dia não.

Já apareceram rabiscos sobre a ideia de um time de futebol em Cuba, rascunhos de um gibi, cópias de emails e até os comprovantes de um empréstimo regular, obtido junto ao BNDES numa linha de crédito para pequenos empresários.

De acordo com o site do próprio BNDES, existem centenas de milhares de empresas em situação similar. Trata-se de um crédito rotativo e pré-aprovado pelo banco emissor, para aquisição de produtos e serviços credenciados. As empresas beneficiárias, entre outros requisitos objetivos, devem estar em dia com INSS, FGTS, Rais e demais tributos.

O que chama atenção é que, no caso em questão, o crédito foi utilizado para compra de equipamentos para atividades de uma empresa cuja própria existência já foi questionada.

As operações do BNDES, é bom que se diga, foram submetidas, nos últimos anos, a duras auditorias, e nada de irregular foi apontado.

Relações negociais conhecidas por órgãos de fiscalização e controle, para as quais os “envolvidos” deram ampla e irrestrita publicidade, são vendidas nos jornais como extraordinárias ou incomuns. Se não fosse revoltante, poderia até ser engraçado. Cada fragmento é revelado como indício, prova, suspeita.

Segundo o advogado Fábio Tofic, respeitado e combativo criminalista responsável pela defesa de Fábio Luís Lula da Silva, “o que mais admira, na verdade, é que não se aponta um único ato ou um mero gesto de Fábio para defender interesses privados no governo. Nada, absolutamente nada. Os negócios celebrados pelas empresas em questão têm indiscutíveis propósitos negociais e inequívoco significado econômico”.

Segundo ele, “essa nova safra de suspeitas e ilações vazadas sugere uma estratégia clara da força-tarefa para requentar um caso encerrado, a fim de tentar fixar artificialmente sua competência para conduzir uma nova investigação”.

Com a arrogância típica dos salvadores da pátria, alguns promotores e juízes prometeram a “cura” para a corrupção. Para se esconder daquilo que jamais poderão entregar, precisaram criar uma máquina de marketing baseada em factoides e na intimidação. Tratam de manter o ar pesado, para validar sua prática de atirar primeiro e perguntar depois.

É estarrecedor notar que o modus operandi revelado pela Vaza Jato para envolver a mídia, transformar suspeitas em fatos e ameaçar investigados ainda esteja sendo usado com tanta naturalidade. A corrupção tem muitas formas e uma delas é subverter as regras do devido processo legal.

A defesa de Fábio Luís Lula da Silva está pronta para, mais uma vez, demonstrar sua idoneidade, com fatos e provas. Primeiro nos autos do processo e depois para a opinião pública. Dentro da lei.

Não pode, não obstante, aceitar que lhe seja dado tratamento diferente do que o que se deve dar a qualquer empresário ou cidadão.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 8 de fevereiro de 2020: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/fabio-luis-lula-da-silva-e-o-peso-de-um-sobrenome.shtml


Arthur Ribas, apresentador do programa Game Over da PlayTV. Imagem gerada pela PlayTV

Outras reportagens sobre a Gamecorp

Caso Lulinha: o fugaz juízo das opiniões precipitadas, publicado no Consultor Jurídico: https://www.conjur.com.br/2019-dez-20/lulinha-fugaz-juizo-opinioes-precipitadas

Fábio Luís Lula da Silva e o peso de um sobrenom, publicado na Folha de S.Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2020/02/fabio-luis-lula-da-silva-e-o-peso-de-um-sobrenome.shtml

“A venda da Gamecorp está encerrando uma verdadeira saga”, diz advogado de Fábio, filho de Lula, publicado na Revista Fórum: https://revistaforum.com.br/politica/a-venda-da-gamecorp-esta-encerrando-uma-verdadeira-saga-diz-advogado-de-fabio-filho-de-lula/

E o sol nasceu em Curitiba, publicado no portal do Estadão: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/e-o-sol-nasceu-em-curitiba/

Fábio, filho de Lula, vende participação na Gamecorp, publicado na Folha de S.Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/05/fabio-filho-de-lula-vende-participacao-na-gamecorp.shtml

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