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Caso Moïse: Basta!

Caso Moïse: Basta!

Assassinato evidencia consequências de políticas de apologia a violência do atual governo

Bates-me e ameaças-me
Agora que levantei minha cabeça esclarecida e gritei: Basta!

(…)

Armas-me grades e queres crucificar-me
agora que rasguei a venda cor de rosa e gritei: Basta!

(…)

Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna… – que eu, mais do que nunca, dos limos da alma, me erguerei lúcida, bramindo contra tudo:

Basta! Basta! Basta!”

(Noémia de Sousa)

Quando um povo perde a capacidade de indignar-se com a barbárie e com os linchamentos, é um indicativo de corrosão da integridade da nação. Esqueça o país e pense na definição de um povo. O que vivemos hoje é o sinal claro da deterioração do “caráter coletivo”. O Brasil deixou de existir exaurido pelo fascismo que se impregnou na sociedade. Triste. Dramático.

assassinato do congolês Moïse Kabamgabe, um menino negro de 24 anos, no lugar onde ele trabalhava, demonstra que sequer a barbárie tem hoje no Brasil um padrão. Moïse era um trabalhador que foi ao quiosque cobrar o que lhe era devido. Simples e básico. Foi brutalmente espancado até a morte de forma cruel e vil. Os espancadores, os assassinos, parecem ser pessoas que trabalham no local e que não terão como explicar a fúria acumulada para um ato tão covarde.

Cabe a cada um de nós tentar entender esse clima de ódio disseminado na sociedade. O fascismo, para mim, é a base de tanto desprezo pela vida. Seus métodos de eliminação da solidariedade e da empatia. Não se matou de maneira estúpida e animalesca o Moïse “apenas” porque ele era um negro que parecia assustar a elite ignorante e perversa, não! Ele era um trabalhador entre trabalhadores. É ainda mais constrangedor. É o desapreço absoluto pela vida, a completa falta do respeito, é a barbárie. Não esqueçamos George Floyd: “Não consigo respirar.

O que este governo fascista prega e apregoa? O desrespeito pleno pela solidariedade, a falta de empatia e a apologia ao poder das armas e da violência. Violência representada por manifestações explícitas ou subliminares. Hoje, o significado de poder é ser idiota, agressivo, inculto, ter relação com as “Damares” e as “Bias Kicis”, ser contra a vacina, cultuar a morte e ser seguidor e admirador do torturador Ustra. O intelectual dessa turma era o Olavo de Carvalho. Para esses bandidos e hipócritas, o linchamento de um trabalhador negro que ousa cobrar o que lhe era devido é mesmo uma consequência lógica. Volto a Noémia de Sousa:

Por que é que as acácias de repente floriram flores de sangue?
Por que é que as noites já não são calmas e doces,
Por que agora são carregadas de eletricidade e longas, longas?
Ah, por que é que os negros já não gemem, noite afora.
Por que é que os negros gritam, gritam a luz do dia?

Moïse, ao que tudo indica, não foi morto de forma absurda por uma elite que ousaria dizer, cruelmente, que estava acuada. Não! É um outro fenômeno. Ele foi massacrado por uma turba ensandecida que poderia ser colegas dele. Ou seja, a sociedade se embruteceu sem nenhum limite.

A falta absoluta de qualquer compromisso ético, que é a base desse governo neofascista do Bolsonaro, finca suas garras na formação do caráter de um povo. O país, mesmo se esse calhorda for banido do poder pelo voto neste ano, terá que encarar e se livrar de um fascismo enraizado. É bom recorrer às palavras nuas da grande Elza Soares: “A carne mais barata do mercado é a carne negra”.

Ao corromperem as estruturas democráticas da cultura, da educação, da saúde e da sociedade, enfim, foram escancarados os interesses do grupo fascista que domina o país. Lembrando sempre que Bolsonaro é filho direto do Moro. É necessário ir além do que está sob nossos olhos.

O que matou Moïse foi o fascismo enraigado. Foi nós não acharmos estranho os negros não terem espaço igualitário, foi a invisibilidade, foi nossa omissão e foi o fato de termos mais armas nas mãos dos civis do que nas mãos das autoridades da área de segurança. Fomos nós, enfim!

Sempre atual lembrar Moraes Moreira no cordel Quarentena:

Até aceito a polícia
Mas quando muda de letra
E se transforma em milícia
Odeio essa mutreta
Pra combater o que alarma
Só tenho mesmo uma arma
Que é a minha caneta

(…)

Queremos sim ter respostas
Sobre as nossas Marielles”.

Artigo publicado originalmente no Poder 360.

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1 Comentario

  • Erivelton
    04/02/2022, 08:38

    Basta é uma palavra trincheira, depois dela tudo pode acontecer.

    Responder

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