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Fake news e os seus limites jurídicos

Por Evelyn Melo Silva, Samara Mariana de Castro e Juliana Durães de Oliveira Lintz

Resumo: Trata-se da análise de um caso de notícias falsas com repercussão sem precedentes. Os conteúdos falsos e criminosos divulgados nas redes sociais contra a Vereadora Marielle Franco, logo após seu assassinato, gerou uma onda de contestação às fake news e iniciou o debate sobre se há limites para a liberdade de expressão e se seria o caso de ponderar esse direito com  a dignidade da pessoa humana, princípio da República Federativa. Conclui-se que a ponderação é necessária e que há responsabilidade das pessoas que criam e das que compartilham conteúdos falsos e/ou criminosos.

Palavras-chave: Fake news, notícias falsas, discurso de ódio, crime contra a honra, Marielle Franco, liberdade de expressão, dignidade da pessoa humana.

Sumário: Introdução. 1 – Da ilicitude dos conteúdos das publicações feitas nas redes sociais. 2 – Da limitação à liberdade de expressão nos casos de notícias falsas e discursos de ódio – ponderação de valores e princípios. 3 – Da Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional de Justiça. 4 – Da leitura constitucional do marco civil da internet e dos tratados internacionais que o Brasil é signatário. 5 – Da responsabilidade da empresa YouTube e da empresa Facebook. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Há um jargão usado pelos usuários das redes sociais que: “a internet é uma terra sem lei” e que a liberdade de expressão, garantia constitucional, é ilimitado. Será que esses pensamentos existem limites? Será que qualquer usuário pode expressar-se da maneira que quiser e sem as devidas consequências?

Nos últimos dias muito se tem falado das fake news[1], suas consequências, os limites e a responsabilidade dos usuários devido à propagação de falsas notícias e discurso de ódio[2].

Toda discussão iniciou-se depois do brutal assassinato de Marielle Franco no dia quatorze de março de 2018. Foi vereadora da cidade do Rio de Janeiro, pelo Partido Socialismo e Liberdade, eleita com 46.502 votos, sendo a quinta candidata que mais recebeu votos no pleito eleitoral de 2016. Socióloga, feminista e militante de direitos humanos, destacou-se na Câmara Municipal do Rio de Janeiro porque deu visibilidade a luta das mulheres negras, a luta da favela, a luta LGBT e pautou todas essas questões na tribuna e fora dela.

Após seu assassinato, diante da comoção e perplexidade da população, além de manifestações de amigos e familiares de Marielle, começaram a surgir nas redes sociais mentiras a respeito da vereadora, com acusações falsas e criminosas, além de discursos de ódio sobre sua vida pessoal, história e atuação na política e na defesa de direitos humanos.

As fake news, os discursos de ódio e a divulgação de conteúdos criminosos e, obviamente, inverídicos, começaram a surgir a partir do dia 16/03/2018, e foram tomando vulto na internet. Então, no dia 17/03/2018, foram tomadas medidas para proteção e preservação da honra e da memória de Marielle Franco e sua família. No mesmo dia foi disponibilizado endereço eletrônico do escritório advocatício que representa seus familiares para receber tais denúncias, que foi amplamente divulgado na mídia em geral[3].

Várias pessoas, do Brasil e do mundo, enviaram mensagens se solidarizando com a causa e denunciando vídeos, comentários falsos e maliciosos, compartilhamentos e publicações em geral, todas criminosas e atentatórias à imagem e à memória de Marielle Franco. Foram cerca de 22 mil e-mails e serviram de base para a propositura de uma medida administrativa e duas medidas judiciais: uma Reclamação Disciplinar no Conselho Nacional de Justiça em face da Desembargadora Marília Castro Neves; e duas ações judiciais, uma em desfavor do YouTube e outra em desfavor do Facebook, ambas com o objetivo de retirada desses conteúdos e levantamento dos dados de quem produziu e compartilhou tais informações. Foi uma mobilização mundial e coletiva que teve como alvo o combate às fake news e o discurso de ódio, deliberadamente mentirosos, criminosos e atentatórios à honra e à dignidade das pessoas que são vítimas da difusão desse conteúdo.

Diante de um caso de grande repercussão e, até mesmo, um leading case de fake news, dado o volume de notícias falsas, a mobilização nacional e internacional para combatê-las cabe ao Poder Judiciário o papel de trazer a pacificação social, posicionando-se de maneira combativa contra atos criminosos e atentatórios à honra e à dignidade das pessoas vítimas desses atos na internet, já que qualquer um pode ser vítima.

1 – DA ILICITUDE DOS CONTEÚDOS DAS PUBLICAÇÕES FEITAS NAS REDES SOCIAIS

O caso da Vereadora Marielle Franco deu maior visibilidade a um ranço que deve ser combatido. A internet não é e não pode ser tratada como “terra sem lei”, tanto que os debates acerca de suas limitações e ponderações de interesses originou o Marco Civil da Internet, Lei Federal nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Muitos paradigmas ainda precisam ser regulados e a visibilidade que o presente caso teve na mídia mostrou o quão danosa essa agressão pode ser.

Os conteúdos publicados nas redes sociais Facebook, YouTube, Twitter, Instagram e Whatsapp, contiam fake news, discursos de ódio e prática de calúnia contra pessoa morta relacionados: “Marielle era ex de Marcinho VP”; “Marielle foi eleita pelo comando vermelho”; “Marielle era usuária de maconha”; “Marielle engravidou aos 16 anos”; “Marielle defendia bandido”; “Marielle mereceu morrer”; “Marielle era criminosa”; entre outros. Todos esses conteúdos ilícitos foram desmentidos no sítio eletrônico <https://www.mariellefranco.com.br/averdade> e encaminhados para a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática investigar as responsabilidades individuais[4].

O Código Civil tutela os direitos da personalidade de pessoa morta no art. 12 e no seu parágrafo único. Igualmente, tutela quem viola o direito da personalidade, quem comete ato ilícito, regulados nos artigos 186 e 187. E, ainda, tutela a responsabilidade civil, com a obrigação de reparar, daqueles que cometerem tais atos ilícitos, no art. 927 do referido Código.

Já o Código Penal prevê que caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime, sujeita o infrator a detenção, de seis meses a dois anos, e multa; sendo punível a calúnia contra os mortos, nos termos do art. 138, § 2º.

Por isso, quem criou, publicou e compartilhou conteúdos falsos e criminosos nas redes sociais são passíveis de responsabilização, civil e/ou criminal.

2 – DA LIMITAÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO NOS CASOS DE NOTÍCIAS FALSAS E DISCURSOS DE ÓDIO – PONDERAÇÃO DE VALORES E PRINCÍPIOS

É importante mencionar que os discursos divulgados nas publicações realizadas por usuários das redes sociais, que atentam contra a honra e memória de Marielle Franco são incompatíveis com o respeito à dignidade da pessoa humana, e não estão protegidos pela liberdade de expressão, pois extrapola os limites deste direito fundamental, caracterizando-se como caluniosos e como um discurso de ódio, por verdadeira afronta à dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, III, da Constituição da República. Este entendimento foi sustentado pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 4274:

O repúdio ao “hate speech” traduz, na realidade, decorrência de nosso sistema constitucional, que reflete, nesse ponto, a repulsa ao ódio étnico estabelecida no próprio Pacto de São José da Costa Rica. (…) Evidente, desse modo, que a liberdade de expressão não assume caráter absoluto em nosso sistema jurídico, consideradas, sob tal perspectiva, as cláusulas inscritas tanto em nossa própria Constituição quanto na Convenção Americana de Direitos Humanos. (…) Há limites que, fundados na própria Constituição, conformam o exercício do direito à livre manifestação do pensamento, eis que a nossa Carta Política, ao contemplar determinados valores, quis protegê-los de modo amplo, em ordem a impedir, por exemplo, discriminações atentatórias aos direitos e liberdades fundamentais (CF, art. 5º, XLI), a prática do racismo (CF, art. 5º, XLII) e a ação de grupos armados (civis ou militares) contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (CF, art. 5º, XLIV).

A doutrina de Cristiano Chaves Faria e Nelson Rosenvald, no mesmo entendimento, leciona que o chamado hate speech não pode estar sob o manto da proteção constitucional:

Toda essa coerência de raciocínio também é aplicável à liberdade de expressão, permitindo antever a existência de limites ao seu exercício.  Com isso, o chamado hate speech (consistente nas manifestações de pensamento ilimitadas, contendo declarações de ódio, desprezo ou intolerância, normalmente atreladas à etnia, religião, gênero ou orientação sexual) não é permitido pelo sistema jurídico brasileiro. Até porque a Constituição não vedou, tão só, ao poder público a prática de atos discriminatórios, impondo, por igual, a todo e qualquer cidadão ou pessoa jurídica tal conduta. Por isso, impor limites à liberdade de expressão é manter acesa a luz contra o preconceito e a intolerância – que atingem, em especial, às minorias sociais, étnicas e econômicas. (Curso de Direito Civil. Volume 1. Parte Geral e LINDB. 12º edição. 2014. Salvador. Pág. 181 e 182).

Em igual sentido a doutrina estrangeira salienta que utilizar como subterfúgio o caráter absoluto da liberdade de expressão para acobertar discursos de ódio se revela em uma irresponsabilidade, uma subversão completa dos valores constitucionais, ferindo gravemente a dignidade da pessoa humana das vítimas.

É notório que esses perfis, para conseguirem audiência, público, mais seguidores e compartilhamentos, sublevam o sacro direito à liberdade de expressão e, travestidos do princípio que garante o direito à informação, lançam verdadeiras perseguições e campanhas difamatórias contra as mais variadas pessoas, anônimas ou públicas, do universo político e artístico, que no presente caso foi Marielle Franco.

 

3 – DA RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR NO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 A desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Marília Castro Neves Vieira, publicou comentários na rede social Facebook, no dia 16/03/2018, logo após o assassinato da Vereadora Marielle Franco, dizendo que esta estava “engajada com bandidos” e que “foi eleita pelo Comando Vermelho e descumpriu  ‘compromissos’ com seus apoiadores”. Ao fazer tais ilações levianas nas redes sociais, a desembargadora cometeu crime e atentou contra a honra de uma pessoa já falecida, estando sujeita às sanções administrativas, civis e criminais.

Destaca-se que não há qualquer indício que corrobora tal afirmação, fato que foi rechaçado pelo Procurador Regional Eleitoral, Dr. Sidney Pessoa Madruga da Silva, afirmou que “Nunca foi apontada como candidata de traficante ou milícia.  Acompanho e investigo isso que é objeto de reuniões mensais com a cúpula de segurança”[5]. E que “Marielle estava fora do nosso radar. Não temos nenhuma informação  sobre qualquer comportamento negativo dela. É tudo ‘fake news’. Nas redes sociais, o que a gente assiste é uma descarga de ódio, racismo e preconceito. As pessoas estão tentando justificar uma morte injustificável”[6].

Desta forma, além de violar a legislação civil e criminal, a desembargadora também praticou infração disciplinar, violando o dever de manter conduta irrepreensível na vida pública e particular, previsto no art. 35, VIII da Lei Orgânica da Magistratura Nacional. Também violou o dever de integridade pessoal e profissional, previstos nos artigos 15 e 16, e de dignidade, honra e decoro das funções, previsto no art. 37, todos do Código de Ética da Magistratura Nacional.

E ao agir assim, a representante do Tribunal de Justiça da localidade onde este bárbaro crime aconteceu, que goza, inevitavelmente, da credibilidade que o cargo lhe empresta, acabou por se tornar, como se pôde verificar da repercussão de suas declarações, uma formadora de opinião que “embasou” a onda de fake news[7].

Por estas razões, em face da desembargadora Marilia de Castro Neves Vieira foi proposta Reclamação Disciplinar, que está na Corregedoria do CNJ[8], por praticar infração disciplinar, nos termos do art. 103-B, § 4º, III, da Constituição da República Federativa do Brasil; do art. 67 e seguintes do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça; e do art. 12 e seguintes do Regulamento Geral da Corregedoria Nacional de Justiça.

 

4 – DA LEITURA CONSTITUCIONAL DO MARCO CIVIL DA INTERNET E DOS TRATADOS INTERNACIONAIS QUE O BRASIL É SIGNATÁRIO

 O marco civil da internet estabeleceu fundamentos e princípios que disciplinam o uso da internet no Brasil, dentre os quais se destacam os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais (art. 2º, II) e a proteção da privacidade (art. 3º, II). No sentido de garantir eficácia a estes fundamentos e princípios, o parágrafo único do art. 3º prevê que “Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

O § 3º, do art. 5º da Constituição da República assegura que “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Neste sentido, os tratados internacionais de direitos humanos abaixo citados foram recepcionados e têm natureza de emenda constitucional.

Pois bem. O direito à privacidade é tratado com ampla proteção no âmbito internacional e está previsto em diversas Convenções Internacionais e outras fontes internacionais, já alcançando, atualmente, larga abrangência na sociedade internacional.

Neste sentido, a título de exemplificação, o Brasil é signatário da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e consagra, no o artigo 12, a proteção ao direito à privacidade, impedindo qualquer tipo de interferência na vida privada dos indivíduos, de tal forma que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a proteção da lei.”

A proteção ao direito à privacidade dos indivíduos também foi garantida na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. O artigo 11, item 2 e 3, explicitou a proibição de ofensas ilegais à honra e reputação dos indivíduos, garantia que é igualmente mencionada no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.

Ademais, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966 também dispõe, em seu artigo 17, quanto à proibição de qualquer tipo de intromissão arbitrária ou ilegal na vida privada, afirmando que devem existir proteções legais contra esse tipo de ação: “1. Ninguém poderá ser objetivo de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação; 2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas”.

Desta forma, o Brasil e todos os países signatários dos tratados internacionais acima mencionados devem respeitar as garantias fundamentais de proteção da privacidade contra ataques à honra e a reputação citadas.

 

5 – DA RESPONSABILIDADE DA EMPRESA YOUTUBE E DA EMPRESA FACEBOOK

As redes sociais Facebook e YouTube têm acesso aos dados pessoais das contas de pessoas que têm perfil ou página pública e publicaram comentários, vídeos ou compartilharam discurso de ódio, fake news e conteúdos contra a honra de Marielle Franco. Desta forma, o art. 22, da Lei nº 12.965/2014 permite que, por meio de ordem judicial, sejam fornecidos os registros de conexão ou os registros de acesso a aplicações de internet dos responsáveis pela publicação dos vídeos e conteúdos falsos e ilícitos, para ações de responsabilização contra esses usuários.

É responsabilidade das empresas de retirar do ar, no prazo de 24 horas, todas as publicações notificadas, sob pena de configuração do direito à reparação, previsto no art. 19, da Lei nº 12.965/2014.

Sobre a proteção da intimidade, tanto o YouTube, quanto o Facebook bloqueiam os vídeos protegidos por direitos autorais (art. 19, §2º do Marco Civil da Internet) e aqueles com cena e/ou foto de nudez (art. 21 do Marco Civil da Internet).

Neste artigo, defende-se que a responsabilidade objetiva da empresa ré não pode ser aplicada apenas para os casos exposto nestes dispositivos da Lei 12.965/2014, ou seja, nos conteúdos de cunho sexual e de direito autoral; a interpretação deve ser extensiva, para conteúdos falsos e discurso de ódio.

A vinculação de publicações e compartilhamentos com imputação de crime e com incitação ao ódio, e publicação como no caso dos conteúdos que fazem ligação de Marielle Franco ao Comando Vermelho, por exemplo, é tão grave ou até mais do que vincular vídeos de cunho sexuais ou nudes. Isso porque os conteúdos publicados nas redes sociais que proferem mentiras caluniosas ou incitação ao ódio abalam não apenas a imagem retrato da vítima, mas a imagem atributo.

Desta forma, defende-se a tese da responsabilidade subsidiária, como no direito à intimidade (conferindo interpretação extensiva ao art. 21 da Lei nº 12.965/2014), dos provedores de internet também no caso de violação à dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, previsto no art. 1º, III, da Constituição da República.

Neste sentido, o Marco Civil da Internet deve ser lido e interpretado à luz da Constituição da República, objetivando a defesa e garantia da proteção à dignidade da pessoa humana, fundamento da República, no qual se inserem os  direitos humanos, que é um dos fundamentos do próprio Marco Civil da Internet. Por isso, os provedores de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros também devem ser responsabilizados subsidiariamente pela violação da dignidade da pessoa humana.

Adicionalmente, debate-se a relação de consumo existente entre os usuários do YouTube e do Facebook e estes provedores.  Introduz-se a tese de ser esta uma relação de consumo, caracterizada pela remuneração indireta, pois é pago diretamente pelos anunciantes, para fazer a publicidade dirigida, já que os usuários, destinatários finais não remunerados, têm uma relação de consumo aparentemente gratuita, mas essencialmente onerosa, pois os dados pessoais dos usuários são coletados e processados para fins de publicidade dirigida, com marketing cruzado. Corroborando esse entendimento, segundo Guilherme Magalhães Martins e João Victor Rozatti Longhi, “a responsabilidade civil dos prestadores de serviços nas redes sociais virtuais pelos danos à pessoa humana decorrentes do meio é objetiva, na forma do art. 14 do CDC”[9].

Assim, por exemplo, ao permitir o patrocínio de publicações feitas por usuários, como no caso do Facebook, fecha-se o ciclo do proveito econômico desta empresa, o que configura a relação de consumo rebatida. Ou até mesmo no caso do YouTube, já que o Google hospeda e desenvolve uma série de serviços e produtos baseados na internet e gera lucro principalmente através da publicidade pelo AdWords.

Por essas razões, existe um defeito nesta prestação de serviço, o que resulta da obrigação objetiva de reparar os danos causados, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, combinado com o art. 19 da Lei nº 12.965/2014.

Conclui-se ressaltando o resultado positivo obtido nas duas ações judiciais[10] ajuizadas em face de Google, cujo YouTube é subsidiário, e de Facebook, obtidos em sede de liminar concedidas para retirar 16 vídeos publicados do YouTube do ar e todos links do Facebook apontados na petição inicial, além da exclusão das contas de usuários com perfil falso e de páginas públicas que violavam os termos de uso do Facebook, todos com conteúdo atentatório à honra, à memória e à dignidade de Marielle Franco.

CONCLUSÃO

Para reforçar a imprescindibilidade do combate às fake news, destaca-se que a Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV/FGV-DAPP analisou os dados do Twitter, entre os dias 15 e 19 de março, sobre a evolução das fake news sobre a Marielle Franco e, posteriormente, a evolução do desmentido. Segundo o estudo, quando as fake news começaram a ser combatidas, as publicações espalhando boato começaram a diminuir.

Portanto, a partir deste caso de grande repercussão, que mudou o paradigma do Judiciário e da sociedade a respeito de publicações e compartilhamentos de conteúdos nas redes sociais, são necessárias algumas mudanças.

A principal é a conscientização da população sobre a responsabilidade dos usuários das redes sociais. A liberdade de expressão deve ser exercida tendo como norte a dignidade da pessoa humana. Significa dizer que mentiras, calúnias, difamações e injúrias não estão protegidos pela liberdade de expressão e quem cria este conteúdo, publica e/ou compartilha, está sujeito às sanções referentes à ato ilícito, com dever de reparação, previsto no Código Civil ou às sanções criminais, previstas no Código Penal.

A segunda, mas não menos importante, é interpretativa do Marco Civil da Internet, que deve ser lido à luz da Constituição da República, para proteger a dignidade da pessoa humana da pessoa lesada.

Por fim, a necessária alteração legislativa do próprio Marco Civil da Internet, para que passe a constar texto expresso de responsabilização subsidiária dos provedores de aplicações de internet que disponibilizam conteúdo gerado por terceiros, que importem em violação da dignidade da pessoa humana.

 Conclui-se que o combate às fake news deve ser um esforço de toda a sociedade.

[1] Fake news, tradução livre de notícias falsas, da expressão em inglês, é um termo utilizado para retratar a publicação deliberada de desinformações, mentiras ou boatos, seja em via impressa, na televisão, no rádio, nas mídias sociais e na internet em geral. Em todos os casos, a intenção é levar o leitor incauto à erro e criar a roupagem de veracidade sobre fato falso e criminoso.

[2] São mensagens que promovem o ódio e incitação à discriminação, à  hostilidade e à violência contra uma pessoa ou grupo em virtude de raça, religião, nacionalidade, orientação sexual, gênero, condição física ou outra característica.

[3] Disponível em: <https://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/partido-de-marielle-vai-processar-magistrada-e-rastrear-noticias-falsas-17032018>; <https://www.revistaforum.com.br/equipe-juridica-que-rastreia-calunias-contra-marielle-ja-recebeu-mais-de-2-mil-denuncias/>; <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/advogadas-fazem-forca-tarefa-contra-posts-falsos-sobre-marielle-na-web.ghtml>. Acesso em 19 de março.

[4] Disponível em: <https://extra.globo.com/casos-de-policia/policia-civil-investiga-ofensas-contra-marielle-nas-redes-22521483.html>. Acesso em 15 de abril.

[5] Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/procurador-eleitoral-desmente-desembargadora-sobre-marielle>. Acesso em 17 de abril.

[6] Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/mentiras-sobre-marielle-franco-se-espalham-nas-redes-sociais-22502248>. Acesso em 15 de abril.

[7] Disponível em : <https://oglobo.globo.com/rio/como-ganhou-corpo-onda-de-fake-news-sobre-marielle-franco-22518202>. Acesso em 23 de março.

[8] Processo CNJ nº 0001608-33.2018.2.00.0000.

[9] MARTINS, Guilherme Magalhães; LONGHI, João Victor Rozatti. A tutela do consumidor nas redes sociais virtuais. Responsabilidade civil por acidentes  de consumo  na sociedade  da informação. In:  Revista  de  Direito  do Consumidor | vol. 78/2011 | p. 191 – 220 | Abr – Jun / 2011 | DTR\2011\1573.

[10] Google/YouTube, processo nº 0066013-46.2018.8.19.0001 e Facebook, processo nº 0070926-71.8.19.0001.

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