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Para Chico Buarque

Para Chico Buarque

Ao fazer, por esses dias, uma reflexão sobre o passado, passei na memória fatos do tempo em que eu cursava direito na Universidade Federal do Paraná. Nesses tempos complexos, em plena efervescência dos anos de chumbo da ditadura, com colegas perseguidos e, outros, desaparecidos, mesclavam-se sentimentos muito contraditórios: de um lado, de angústia, pela quebra das ideias libertárias que nos eram divulgadas pelos professores mais comprometidos com um pensamento engajado; de outro, de otimismo, diante dos propósitos que a todos nos acometia, de pensar que um dia poderíamos mudar o mundo, que tudo estava em nossas mãos, que a tragédia era temporária, que a felicidade nada mais era do que um estágio perfeitamente concretizável de nossas ações.

Nossa mudança de mundo, se era a substância de um ideal, era também o estímulo de acreditar que o ser humano seria capaz de vencer as discriminações, a intolerância, as desigualdades, a fome e a miséria, enfim, de alcançar sua plena realização libertária. É que não se pode pensar em liberdade sem igualdade, sem a eliminação do ódio e dos preconceitos.

O tempo passou, e como passa rápido, parece que foi ontem, e agora, refletindo sobre aqueles ideais, podemos sentir que a mudança do mundo não é tão simples como imaginávamos em nossa juventude.

Justamente diante desse confronto entre o ideal de fácil digestão e a realidade brutal, é que tenho muito apreço pelos jovens.

Penso que se ainda acreditamos em mudança, devemos isso aos jovens, aos jovens que, sem calos e desânimos, vencem todos os obstáculos porque superam o próprio tempo.

As perspectivas dos jovens não são apenas deles, são universais. Nesse percurso de reflexões sobre o passado e o presente, vem-me à mente uma drástica realidade: minha total incapacidade musical. Minha mãe bem que tentou me introduzir nos acordes, mas sempre se tratou de tentativa inidônea por impropriedade do objeto. Até mesmo por isso, sempre fui um vigilante apreciador de duas manifestações culturais: o cinema novo francês e a música popular brasileira, dois elementos de prazer visual, reflexivo, sentimental e auditivo.

A cada lançamento de GODARD ou TRUFFAUT, corríamos às salas de cinema e ficávamos extasiados com o que essa Nouvelle Vague nos trazia, de assimilação do cotidiano, da agitação das ruas, da irracionalidade dos pensamentos lineares e, sobretudo, da capacidade de superação do tradicionalismo e da submissão.

Como jovens, sentíamos os mesmos efeitos reproduzidos nos Incompreendidos, de TRUFFAUT, do garoto de 15 anos que fora expulso de casa. O sentimento de abandono é um sentimento trágico. Não podemos viver isolados, abandonados. Visualizávamos isso em nossas andanças e nos entristecia de ver como existem abandonados, e muitos.

O cinema novo nos transportava para um mundo que, se não era mágico, nos levava a sentir o possível do impossível, daí nosso êxtase. Ainda na faculdade, lembro-me das primeiras e já geniais produções de CHICO, de sua sensibilidade, de seu domínio linguístico, de seu ritmo, de sua captação da realidade cotidiana, da beleza e do conteúdo de suas composições. Sempre fiz uma paralelo entre a Nouvelle Vague e as produções de CHICO, porque, na verdade, sua música nos envolvia na trama de nossa vida diária. Jamais esquecemos Pedro Pedreiro, A Banda, Sabiá, Apesar de Você, Quem te Viu, Quem te Vê e tantas outras.

A música de CHICO não era e nunca foi apenas uma música, mas sim um manifesto de humanidade. Para nossa sorte, sua notável produção e sua criatividade continuam vivas. CHICO é também um escritor primoroso. CHICO nos faz pensar, e quando nos damos conta de que estamos despidos de nossa juventude, traz-nos a esperança de que mudar o mundo é sempre possível.

MEU AMIGO CHICO, MEUS PARABÉNS PELO ANIVERSÁRIO!

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