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‘Se ganhar, Lula precisa enfrentar encarceramento em massa’, diz Juliana Borges

‘Se ganhar, Lula precisa enfrentar encarceramento em massa’, diz Juliana Borges

Por Camila Alvarenga

Escritora afirma que fenômeno tem sua raiz na guerra às drogas e que solução passaria por uma reforma do Judiciário e da polícia; veja vídeo na íntegra

No programa 20 MINUTOS ENTREVISTAS desta segunda-feira (24/05), o jornalista Breno Altman entrevistou Juliana Borges, escritora e autora de Encarceramento em massa e prisões: Espelhos em nós (2020, Todavia), que falou sobre o sistema carcerário brasileiro e a urgência de enfrentar os problemas que o cercam.

O Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, composta majoritariamente por negros jovens de periferia. De acordo com Borges, a prisão “sempre foi um instrumento usado para controlar populações indesejáveis, para mantê-las na condição de subalternas”. 

Por isso o debate sobre sua diminuição é tão difícil de ser feito: “Mesmo a esquerda é punitiva”, afirmou. Ela acredita que esse comportamento vem de preconceitos, por exemplo sobre a legalização das drogas, e do senso de que existem outras pautas prioritárias. Além da preocupação de perder votos envolvendo-se em temas polêmicos.

“Quando você fala de legalização das drogas, você aborda uma discussão de cunho moral, que exige uma discussão mais longa, só que a necessidade da disputa eleitoral coloca outras emergências. Nos últimos anos, porém, tenho percebido uma esquerda que tem compreendido que o encarceramento em massa é mais uma das facetas da guerra às drogas, da manutenção dos privilégios, que exclui certos grupos e se utiliza de políticas de controle e extermínio”, ponderou.

Para ela, portanto, um eventual novo governo de Lula deve enfrentar a questão: “não podemos mais fugir desse debate”. Borges criticou os mandatos do petista, quando foram ampliadas as unidades prisionais e criada a Lei de Drogas, “que nasceu de uma discussão muito positiva, sobre separar traficantes de usuários, garantindo um modelo de penas alternativas para usuários, mas com muitas brechas”, o que aumentou a quantidade de pessoas presas por crime de associação para o tráfico. 

“Tenho a esperança de que Lula vá abordar esses temas. Se essas discussões não avançarem por meio de uma liderança como o Lula, tão grande e importante, será muito mais difícil avançá-la em outro momento. De todos os modos, isso vai demandar organização e pressão popular, porque é um processo em disputa. Espero que um eventual governo Lula não tenha medo de lidar com essas questões”, ressaltou a escritora.

Desencarceramento no Brasil

“As pessoas têm a ilusão de que a solução para o encarceramento em massa é ampliar as unidades prisionais e não é. A consequência de algo assim é ter um sistema judiciário que pensa que, como existem mais prisões, pode continuar prendendo. Agora o que temos é que 35% das pessoas que estão presas são presos provisórios, muitos não cometeram crimes violentos e poderiam responder aos processos em liberdade. Acho que o desencarceramento começa por aí”, pontuou Borges.

Na raiz do fenômeno do encarceramento também está a guerra às drogas, como colocou a autora, que advoga pela legalização de todas as substâncias: “Acho que não tem outra saída”.

“Usar substâncias que de alguma forma modificam a percepção do real é algo que os humanos sempre fizeram. O ponto é questionar quais os fatores que tornam algumas substâncias ilegais e outras não, porque uma taça de vinho já pode modificar sua percepção da realidade”, refletiu.

Sem falar que, entre a elite, o uso já é feito em liberdade, “enquanto outros territórios são militarizados por causa dessa perseguição. Então a defesa da legalização não é só pelo fim do encarceramento, mas pela garantia de que parcelas da população criminalizadas pela guerra às drogas tenham direito à vida”, agregou Borges. 

Para ela, o Estado deveria ser o responsável por controlar a legalização e o mercado, visto que manter a iniciativa privada representaria manter a estrutura de privilégios.

Além do fim da guerra às drogas, Borges disse que o desencarceramento passaria por uma reforma no sistema de justiça e no funcionamento da polícia: “Se o juiz é a balança que define quem vai para a prisão e quem não vai, a polícia é a instituição captadora da clientela da justiça criminal”. Essa “clientela”, em geral, é negra, pobre e favelada, como apontou a escritora.

Por isso, ela defende o fim da polícia militar nos moldes como está pensada. “Acho que ela não serve nem aos policiais. Há o adoecimento mental dos policiais, índices altíssimos de suicídio e mortes nas ações da suposta guerra às drogas”.

Abolicionismo penal

Borges, que se considera abolicionista penal, argumentou a favor de um sistema de justiça mais horizontal, com participação da comunidade e que avalie caso a caso: “Estamos homogeneizando questões, a Justiça é impessoal. Isso traz mais resultados punitivos, quando não se conhece a trajetória das partes, quando não se escuta o ofendido e o ofensor”. 

É por isso que ela acredita em justiça restaurativa, um modelo que privilegia a mediação de conflitos, com a presença de todas as partes envolvidas. O que não significa, entretanto, a inexistência de mecanismos de responsabilização.

Na visão da escritora, se o encarceramento não puder ser abolido, ele deve ser a exceção, para combater crimes violentos.

“Hoje a gente tem um modelo que usa dessas exceções [de crimes violentos] para aplicar penas gerais. Se mais de 50% das pessoas presas estão lá por furto, roubo e associação para o tráfico, será que a prisão é a resposta certa para elas?”, questionou.

Entrevista publicado originalmente no Opera Mundi.

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